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A herança do silêncio: o que aprendi com o espaço vazio da sua caminha

PetEstrelinha

Hoje eu quase tropecei no ar. Sabe aquele lugar exato entre o sofá e a mesa de centro, onde você costumava se esparramar como se fosse o dono absoluto de cada centímetro de chão? Meus pés ainda guardam a memória da sua presença. Eu desviei instintivamente, encolhendo o passo para não te incomodar no seu sono pesado. Só percebi que você não estava ali quando meu pé tocou o tapete frio e o silêncio da sala me deu um solavanco no peito. É estranho como o corpo demora mais que a mente para aceitar que as coisas mudaram.

A casa agora tem uma acústica que eu desconhecia. Antes, cada movimento meu recebia uma resposta sonora. Era o estalar das suas unhas no piso laminado, o som abafado do seu rabo batendo na lateral do armário ou aquele suspiro profundo, quase humano, que você soltava quando decidia que o dia tinha sido cansativo demais. Agora, quando eu deixo as chaves sobre o aparador, o som ecoa pelas paredes de um jeito vazio. Não existe mais aquela corrida atrapalhada em direção à porta, nem o barulho das suas patas celebrando a minha chegada como se eu fosse a pessoa mais importante do universo. E, para você, eu era.

Escrevo isso porque preciso colocar em algum lugar essa sensação de que você ainda está em cada canto, mesmo sem estar. É uma presença feita de ausências. É o pote de água que eu quase enchi de manhã por puro automatismo. É o restinho de frango que sobrou do almoço e que, por um segundo, eu pensei em guardar para você, antes de lembrar que não há mais ninguém esperando ansiosamente ao lado da geladeira.

O reflexo de desviar do que a gente não vê

Viver os primeiros dias sem você é como aprender a andar em uma casa que teve os móveis trocados de lugar no escuro. Minha rotina era moldada em torno da sua. Eu sabia exatamente quanto tempo tinha para tomar banho antes que você começasse a choramingar na porta do banheiro. Eu sabia o ângulo certo de abrir a janela para que o sol batesse exatamente no seu pelo, criando aquele brilho dourado que eu tanto amava fotografar.

Esses reflexos são teimosos. Ontem, quando ouvi um barulho na cozinha, eu chamei o seu nome. Foi um impulso, uma palavra que saiu antes que eu pudesse contê-la. O som do meu próprio grito no vazio me deixou paralisado por alguns minutos. Fiquei esperando o eco, ou talvez um milagre que trouxesse aquele barulho característico das suas orelhas balançando. Mas nada veio.

O luto por um animal de estimação tem essa camada invisível de pequenos rituais quebrados. A gente não perde apenas um amigo, a gente perde o ritmo do nosso cotidiano. Você era o meu relógio biológico, o meu lembrete de que era hora de parar de trabalhar e ir ver o mundo lá fora. Sem você, o tempo parece ter perdido as marcações. As horas se arrastam ou voam sem propósito, porque não há mais aquela caminhada no final da tarde que nos conectava com o asfalto, com o cheiro da grama e com o movimento das outras pessoas.

A cozinha perdeu seu espectador mais fiel

Se existe um lugar onde a sua falta grita, esse lugar é a cozinha. Você era o mestre da persistência silenciosa. Bastava o som do plástico de um queijo abrindo ou o barulho da tábua de carne sendo puxada para que, em segundos, você surgisse como uma sombra ao meu lado. Não precisava latir, não precisava pedir. Apenas aquele olhar fixo, atento, capaz de derreter qualquer tentativa minha de ser rigoroso com a sua dieta.

Hoje eu deixei cair um pedaço de pão. Fiquei parado, olhando para o chão, esperando o aspirador de pó mais eficiente do mundo entrar em ação. Levei quase dez segundos para entender que eu mesmo teria que me abaixar e recolher. Foi ali, com a mão no chão frio, que eu chorei de verdade. Não foi pela morte em si, mas pela falta daquela interação cotidiana que a gente subestima enquanto tem.

A gente compartilha a vida com vocês de um jeito tão íntimo que as fronteiras se misturam. Você conhecia o som do meu choro antes mesmo de a primeira lágrima cair. Você sabia quando eu estava doente e se transformava em uma espécie de enfermeiro peludo, grudado na minha perna, oferecendo aquele calor que nenhum remédio consegue imitar. Como é que se explica para as paredes que o meu melhor terapeuta não usa palavras, mas entendia tudo o que eu sentia?

As conversas que continuam sem resposta

Eu ainda falo com você. Às vezes me pego explicando como foi o meu dia enquanto tiro os sapatos. É um hábito que eu não quero perder, mesmo que as pessoas achem estranho. Falar com você me mantém perto daquela versão de mim que era mais leve, mais alegre e mais disposta a brincar no meio da sala.

Sinto falta da textura do seu pelo sob os meus dedos. Aquela maciez atrás das orelhas que parecia o lugar mais seguro do mundo. Memória tátil é uma coisa poderosa. Se eu fechar os olhos agora, consigo sentir exatamente o peso da sua cabeça no meu colo quando eu estava triste. Era como se você dissesse que tudo bem, que o mundo podia estar um caos lá fora, mas que ali, entre nós dois, tudo estava em paz.

Essa paz agora precisa ser reconstruída dentro de mim. O vazio da caminha, que eu ainda não tive coragem de tirar do canto da sala, não é apenas um espaço físico. É um espaço na alma que agora está sendo ocupado por uma saudade que queima, mas que também aquece. Porque, no fundo, se dói tanto agora, é porque foi imensamente bom enquanto durou. E eu não trocaria um segundo da nossa convivência para evitar essa dor de agora.

Transformando o vazio em uma nova forma de presença

Com o passar dos dias, a dor aguda começa a dar lugar a uma melancolia mais mansa. Eu já consigo olhar para as suas fotos sem sentir aquele nó imediato na garganta. Agora, eu sorrio ao lembrar daquela vez que você tentou caçar uma mosca e acabou derrubando o vaso de flores, ou de como você odiava o barulho do aspirador de pó.

A casa está mudando. Aos poucos, vou reorganizando as coisas, mas você deixou marcas permanentes. Tem um arranhão na porta que eu nunca vou consertar. Tem uma mancha no tapete que conta a história de uma tarde de chuva em que você entrou correndo sem limpar as patas. Essas são as minhas relíquias. São os vestígios de uma vida que foi vivida com intensidade e com um amor que não pedia nada em troca além de um carinho atrás da orelha.

Aprendi que você não foi embora totalmente. Você se mudou para dentro das minhas reações. No jeito que eu olho para os outros cães na rua, na paciência que agora tenho com as pequenas bagunças da vida, na compreensão de que o tempo é curto e que a gente precisa aproveitar cada lambida e cada abanar de rabo.

Para quem está passando por esse mesmo silêncio ensurdecedor, eu só posso dizer que ele diminui. O eco da ausência vai sendo preenchido por histórias. E, se algum dia a saudade apertar demais e o peito parecer pequeno para tanto sentimento, existem formas delicadas de manter essa luz acesa. Às vezes, um gesto simples de carinho ou uma lembrança física ajudam a gente a atravessar a ponte da despedida. Nessas horas, contar com o acolhimento de quem entende essa ligação, como o pessoal da PetEstrelinha, pode ser o abraço que a gente precisa para transformar o luto em uma memória serena e cheia de luz.

Você se foi, meu amigo, mas o silêncio que você deixou é, na verdade, uma conversa constante sobre o quanto valeu a pena te amar. Até qualquer dia, em algum lugar onde o sol nunca se põe e a grama é sempre perfeita para uma soneca. Obrigada por ter me escolhido para ser o seu humano.

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